Wadih Damous é o autor do projeto. Foto: Abr
Tramita na Câmara dos Deputados um projeto de lei (PL) que impede investigados que estiverem presos de celebrar acordos de delação premiada. Segundo a proposta, o acordo de colaboração só poderá ser homologado – validado pelo juiz – se o delator estiver em liberdade. De autoria do deputado federal Wadih Damous (PT/RJ), ex-presidente da Organização dos Advogados do Brasil – seccional Rio de Janeiro (OAB-RJ), o PL 4372 pode colocar um freio na operação Lava Jato.
A proposta também estabelece que nenhuma denúncia poderá ter como base apenas a delação, que os nomes dos citados devem permanecer em sigilo e que constitui crime divulgar conteúdo do depoimento.
O deputado apresentou ainda o PL 4577, segundo o qual réus não podem ser presos antes de esgotadas todas as possibilidades de recursos. A proposta contraria decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), que em fevereiro permitiu a prisão do condenado em segunda instância.
No texto do PL 4372, Damous justifica que o investigado estar em liberdade é uma condição que evitaria que a prisão cautelar fosse usada como instrumento psicológico de pressão, preservando o caráter voluntário da delação premiada.
Já o sigilo sobre os nomes de pessoas citadas em colaborações seria “fundamental para se evitar que a honra e a dignidade das pessoas sejam ultrajadas por vazamentos seletivos, muitas vezes sem reparação possível”. O projeto ainda tipifica e pune o vazamento do conteúdo de delações com reclusão de um a quatro anos e multa.
Investigação e defesa
Operação da Justiça e PF já devolveu R$ 2,9 bilhões aos cofres públicos. Foto: Tânia Rêgo/Abr
A colaboração premiada é uma das principais técnicas de investigação utilizadas na Lava Jato, operação que já devolveu R$ 2,9 bilhões aos cofres públicos em pouco mais de dois anos. Segundo o advogado criminalista Gustavo Scandelari, a Lava Jato é um marco divisório na utilização da colaboração premiada, que foi prevista na lei 12.850 de 2013.
O advogado vê o projeto de Damous como uma tentativa de solucionar algumas omissões da lei. “As mudanças no geral são boas, elas visam disciplinar melhor o instituto da colaboração premiada. Como é uma coisa nova, o Judiciário não tinha muita experiência com casos semelhantes. Na prática, surgiram alguns problemas, que podem ser corrigidos. A essência que vejo é a de tentar trazer maior credibilidade para o conteúdo da delação e de tornar mais segura a condenação ou a acusação”, argumenta.
Os problemas surgidos com a falta de regulamentação seriam delações feitas sem nenhum outro indício de prova, ou feitas e posteriormente alteradas. Mas Scandelari discorda que a prisão cautelar seja forma de coerção. “A colaboração premiada é uma negociação, eu acho que não existe coação no fato de a pessoa estar presa. Presa ou não, ela pode escolher delatar, ou não.”
Em relação à confidencialidade dos nomes citados em colaboração, Scandelari acredita que deve-se levar em conta o conteúdo delatado. “Porque às vezes ele é tão importante para o interesse público que as pessoas têm direito de saber, o interesse público se sobrepõe à honra da pessoa mencionada.”
Desnecessário
Delação de Delcídio vazou. Foto:Geraldo Magela
O advogado criminalista Marlus Arns de Oliveira, que conduziu os acordos de colaboração premiada de dois ex-executivos da Camargo Correia e de outros dois réus da Lava Jato, considera o PL 4372 desnecessário. “Vejo que seriam necessárias leis que regulamentassem os critérios da negociação e melhorassem o formato da colaboração. Por exemplo, fixando claramente o papel do juiz”, diz.
Para ele, a lei 12.850 já prevê o sigilo da delação até o encerramento da investigação. De acordo com o STF, a única colaboração premiada da Lava Jato que já saiu do sigilo foi a do senador cassado Delcídio do Amaral (sem partido-MS).
Oliveira discorda do artigo que impede investigados presos de celebrar colaboração premiada. “Se você dá o direito a quem está solto, tem que dar o direito para quem está preso também, sob pena de violar a ampla defesa. A colaboração premiada é um instrumento legítimo de defesa, e vale para todos os réus.” De acordo com o advogado, essa técnica de investigação vem sendo usada com sucesso, porém, em grande escala.
“O grande risco é a vulgarização da colaboração premiada. Ela deve ser usada em casos específicos. A pessoa fica sujeita a prestar depoimentos à justiça por 10 anos, tem perda de patrimônio, devolve o produto do crime, cumpre pena”, pondera.
Impacto político
Na perspectiva do professor de Ciência Política da PUCPR e Uninter Luiz Domingos Costa, o procedimento completo da colaboração premiada foi previsto em 2013, e gerou a Lava Jato. No entanto, o emprego da técnica ultrapassa limites. “Parece, pelo menos entre os juristas menos radicais, que a delação está sendo utilizada de uma forma que escapa, que excede aquilo para a qual foi pensada, que é conduzir investigações de corrupção. Parece que de fato virou um instrumento de intimidação do investigado, porque ela vem sendo combinada com outros instrumentos, como grampos telefônicos, para produzir evidências.”
Segundo o professor, a colaboração seria produtiva em um primeiro momento, mas perderia efetividade com o progresso da investigação. “Quanto mais você avança, menos as delações servem, porque tem pouca coisa nova, e a partir de então a possibilidade de excesso contra os investigados é ainda maior. As chantagens passam a ser mais fortes por parte do Judiciário.” A delação, afirma ele, está baseada em incentivo para que os investigados falem. “Pra ganharem amortização da pena, eles precisam falar, e se não têm o que falar, vão precisar arranjar coisas pra falar.”
Lava Jato tem grande apoio popular. Foto: Arquivo
De acordo com o cientista político e professor de Sociologia da UFPR Ricardo Costa de Oliveira, a intenção do PL do deputado Damous é retirar o caráter inquisitorialesco de como as colaborações premiadas vêm sendo usadas para obter informações. Para ele, a técnica é empregada de forma seletiva, parcial e tendenciosa.
“Um juiz usa os interesses ideológicos e partidários para prender quem ele quer, e deixar todos os outros soltos. Houve um retrocesso dos direitos humanos e voltamos à mesma lógica da inquisição. Você dá mau tratamento, mantém a pessoa presa, pressiona para obter a confissão que você precisa e depois tudo é vazado para a grande mídia, em função de interesses privados. No meu ponto de vista, as mudanças são corretas e necessárias.”
O professor Luiz Domingos Costa acredita que o PL não terá tramitação bem sucedida. “Tudo que for contra a Lava Jato tem caráter impopular muito forte, a opinião pública está muito em cima. Caso ele seja votado, tem poucas chances de ser aprovado”, opina. O PL 4372 aguarda parecer do relator da Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado (CSPCCO). Se chegar ao plenário, será apreciado por deputados investigados na Lava Jato, como Waldir Maranhão (PP-MA) e Nelson Meurer (PP-PR).
“STF errou”
Os juristas consultados pela Tribuna estão de acordo em relação ao segundo projeto de lei do deputado federal Wadih Damous, o PL 4577, que proíbe a prisão de condenado em segunda instância. Para eles, a decisão do STF de permitir a prisão do condenado antes de se esgotarem todos os recursos fere o direito à ampla defesa.
“Foi dada uma interpretação à Constituição que contraria a própria Constituição, que é a de que o indivíduo pode ser preso mesmo que ainda caiba recurso. Como se explicaria o sujeito estar cumprindo pena e depois o Judiciário decidir que ele era inocente? Quem vai reparar o dano?”, indaga o advogado criminalista Gustavo Scandelari.
Já para Marlus Arns de Oliveira, a decisão do STF representa um retrocesso muito grande na orientação penal no Brasil. “A Constituição é clara, os réus só poderiam cumprir pena após o trânsito em julgado.” O PL 4577 foi apensado ao PL 4198/2015 e está sujeito à apreciação em plenário.
Fonte: Tribuna – Paraná Online