A advocacia não é uma atividade empresária, contudo não deixa de ser uma atividade empreendedora. E quem advoga sabe o quão trabalhoso, árduo e arriscado é o ato de empreender na advocacia, que está cada vez mais especializada e competitiva. Justamente por isso, organização é essencial, especialmente quando a atividade é exercida através de uma sociedade de advogados.
Conforme dispõem os artigos 15 a 17 do Estatuto da Advocacia (Lei 8.906/94), recentemente alterados pela Lei 13.247/2016, os advogados podem reunir-se em sociedade simples de prestação de serviços de advocacia ou constituir sociedade unipessoal. A personalidade jurídica da sociedade de advogados é adquirida pelo registro do contrato social na Conselho Seccional da OAB em cuja base territorial a sociedade estiver sediada. A regulamentação das sociedades é feita pelo Conselho Federal da OAB através dos Provimentos 112/2006, 169/2015 e 172/2016.
A sociedade pluripessoal de advogados pode ser constituída por sócios patrimoniais e também por sócios de serviço, sendo que ambos possuem obrigação de contribuir para a sociedade prestando serviços. A diferença é que o sócio de serviço não possui obrigação de integralização do capital social, contribuindo para sociedade apenas com serviços (art. 997, V e 1.006, Código Civil). A figura do sócio de serviço, já prevista no Provimento 112/2006, foi melhor regulamentada em 2015 através do Provimento 169/2015, o que promete fomentar ainda mais a utilização desse importante instrumento de contratação social, que tão bem vem se amoldando ao exercício da advocacia nos últimos anos.
Esta breve explanação sobre o regime jurídico das sociedades de advogados é suficiente para demonstrar o quão complexo pode ser a fixação das regras numa sociedade de advogados, que envolve não apenas o regime jurídico geral societário, previsto no Código Civil, mas também o regime jurídico específico de competência regulamentar da OAB. Soma-se a isso o fato da advocacia ser uma atividade indispensável à administração da justiça e com contornos muito próprios, o que faz da sociedade de advogados um modelo societário sui generis. Justamente por isso, é importante que o contrato social seja redigido de forma cuidadosa, sempre levando em consideração os provimentos emitidos pela OAB e a realidade da relação existente entre os sócios.
A questão é quem nem sempre o contrato social consegue esgotar todas as estipulações necessárias para regular as inúmeras particularidades de uma sociedade de advogados e as interações entre os sócios. E na verdade, nem deve.
Isso porque algumas questões relacionadas à dinâmica da atividade da sociedade, se incluídas no contrato social, precisarão ser alteradas mediante registro de alteração do contrato social, burocratizando um procedimento que deve ser maleável e simples. Além disso, existem questões internas da sociedade que não interessam a terceiros, e, portanto, não precisam ser submetidas à publicidade do registro junto à OAB.
É nesse contexto que se torna recomendável a utilização de um instrumento jurídico valioso, mas ainda pouco utilizado no âmbito da sociedade de advogados, que é o acordo de sócios.
Inspirado no acordo de acionistas, previsto no artigo 118 da Lei 6.404/76, o acordo de sócios nada mais é do que um instrumento particular firmado entre os sócios integrantes de uma determinada sociedade visando regulamentar a relação entre eles.
O Provimento 169/2015 do Conselho Federal da OAB, ao dispor que os haveres no momento de desligamento da sociedade podem ser previstos no contrato social e/ou no instrumento próprio (art. 3.º) e que a participação nos lucros da sociedade deve se dar na forma prevista nos respectivos contratos sociais ou em instrumentos específicos que a disciplinem (art. 4ª) deixa claro que tais temas podem ser tratados em instrumentos outros que não o contrato social, num claro permissivo à utilização do acordo de sócios.
O acordo de sócios, em razão de sua natureza contratual, submete-se às mesmas condições de validade do negócio jurídico previstas no artigo 104 do Código Civil. Por se tratar de um instrumento particular, o acordo de sócios não precisa ser levado a registro junto à OAB para ter validade. E, se os sócios entenderem pela sua alteração, podem modificá-lo através de simples aditamento. Contudo, por ser documento interno da sociedade, sua eficácia é restrita aos sócios, bem como seus sucessores e herdeiros, não sendo oponível contra terceiros estranhos à sociedade.
Em regra, tudo o que não é obrigatório no contrato social (art. 997 do Código Civil) pode ser tratado no acordo de sócios. Também é possível que estipulações tratadas de forma genérica no contrato social sejam esmiuçadas no acordo de sócios, conforme sugere o Provimento 169/2015. Enfim, o acordo de sócios pode dispor sobre as mais variadas questões de interesses dos sócios, tais como: gestão de recursos patrimoniais e humanos da sociedade, regras de conduta, distribuição de atividades entre os sócios, formas de cálculo na participação nos lucros, especificidades sobre formas de apuração de haveres em caso de falecimento, retirada ou exclusão de sócio, regras de governança corporativa e compliance e outras deliberações importantes para o contexto e particularidade da sociedade.
O importante é que a redação do acordo de sócios seja clara, objetiva e espelhe a vontade dos sócios. Quanto maior for a conformidade das regras contidas no acordo de sócios com a realidade do dia a dia da sociedade, maior será a segurança jurídica do instrumento, que se constitui como uma importante ferramenta de organização e, consequentemente, de harmonização interna da sociedade.
Inaiá Botelho, advogada, especialista em Direito Tributário.
Fonte: Gazeta do Povo