No dia 11 de janeiro deste ano foram publicados dois importantes decretos que visam aprimorar a implantação de medidas que deem efetividade aos direitos das pessoas com deficiência, previstos na Lei 13.146, de 06.07.2015, conhecida como “Lei Brasileira de Inclusão”. Isto significa assegurar acessibilidade e dar efetividade a um dos pilares fundamentais de nossa Constituição: a dignidade da pessoa humana.
O primeiro, Decreto 8.953/2017, altera o Plano Nacional de Consumo e Cidadania para dispor, dentre suas diretrizes e objetivos, a garantia de produtos e serviços acessíveis e o estímulo à melhoria da qualidade e concepção dos produtos, equipamentos, ambientes, programas, serviços que são disponibilizados no mercado de consumo, sem que haja necessidade de adaptações ou de projetos específicos para que sejam utilizados.
Esta garantia normativa é extremamente relevante frente à nova concepção de deficiência empregada pela Convenção da ONU sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e incorporada no art. 2º da Lei 13.146/2015, a qual, ultrapassando o conceito estritamente médico da deficiência, a define como o resultado de uma limitação funcional frente a barreiras de caráter ambiental e social.
Portanto, para o contexto normativo atual, a pessoa com deficiência é aquela que possui um impedimento de longo prazo, seja ele de natureza física, mental, intelectual ou sensorial que, em interação com barreiras físicas, arquitetônicas, de mobilidade e também sociais, pode dificultar ou impedir sua plena participação na vida em sociedade, ou seja, nas mesmas condições das demais pessoas.
Assim, nada mais coerente que sejam disponibilizados no mercado de consumo produtos e serviços que permitam sua utilização de forma segura e autônoma por todas as pessoas, em igualdade de condições.
No mesmo dia também foi publicado o Decreto 8.954/2017, instituindo o Comitê do Cadastro Nacional de Inclusão da Pessoa com Deficiência e da Avaliação Unificada da Deficiência.
A criação do comitê já havia ocorrido em abril de 2016, o qual se encontrava vinculado ao Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial, da Juventude e dos Direitos Humanos. Agora reeditado com pequenas alterações em seu texto, está vinculado ao Ministério da Justiça e Cidadania e sob a coordenação da Secretaria Especial dos Direitos da Pessoa com Deficiência.
A instituição do Comitê para criação do Cadastro-Inclusão, conforme determinado pelo art. 92 da Lei 13.146/2015, é um passo essencial para se conhecer a realidade das pessoas com deficiência no Brasil, sistematizar as informações e possibilitar a criação de políticas públicas efetivas.
Dentre os objetivos da criação do cadastro estão a padronização e a homogeneização conceitual dos dados referentes às pessoas com deficiência, a identificação de suas necessidades e das barreiras que as impedem de participar ativamente da vida em sociedade.
O cadastro também busca a integração destas informações e das bases de dados existentes, criando um registro público eletrônico, a partir do qual se possa formular, implementar, monitorar e avaliar as políticas públicas de promoção dos direitos das pessoas com deficiência.
Considero que somente através do conhecimento efetivo da realidade existente em nosso país quanto às condições socioeconômicas e biopsicossociais das pessoas com deficiência é que será possível a criação de políticas públicas eficientes para garantia de seus direitos.
A importância do assunto pode ser observada pelo Censo Demográfico de 2010, segundo o qual 23,9% da população brasileira possui algum tipo de deficiência[1]. A realidade mundial das pessoas com deficiência é alarmante: segundo dados da ONU, em todo o mundo, 20% das pessoas mais pobres têm algum tipo de deficiência e 80% das pessoas com deficiência (o que corresponde a 15% da população mundial) vivem em países em desenvolvimento.[2]
Ainda segundo a ONU, cerca de 1 em cada 7 habitantes no mundo sofre de alguma deficiência. Nos países em desenvolvimento, 90% das crianças com deficiência não vão à escola e não saberão ler na idade adulta.[3] De acordo com os dados da OIT, a taxa de desemprego das pessoas com deficiência chega a 80% ou mais nos países em desenvolvimento.[4]
Devido ao estigma, a maior parte das pessoas com deficiência ainda é invisível, raramente ocupando posições em governos e normalmente não sendo consultadas na tomada de decisões, mesmo quando o assunto as afeta diretamente.
Em que pese tenhamos uma legislação moderna, ainda há um abismo entre a formalização dos direitos e a realidade dos indivíduos, notadamente pela falta de dados consistentes para estudo e análise. O conhecimento desta realidade é essencial para a efetivação de direitos.
Tais decretos, portanto, são iniciativas fundamentais para equiparar oportunidades, eliminar barreiras, construir pontes entre as diferenças e assim possibilitar que todos tenham liberdade de desenvolver-se e viver em plenitude.
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[1] http://www.pessoacomdeficiencia.gov.br/app/sites/default/files/publicacoes/cartilha-censo-2010-pessoas-com-deficienciareduzido.pdf
[2] https://nacoesunidas.org/onu-inclusao-de-pessoas-com-deficiencia-e-fundamental-para-a-implementacao-da-agenda-2030/
[3] https://nacoesunidas.org/acao/pessoas-com-deficiencia/
[4] http://www.oitbrasil.org.br/sites/default/files/topic/discrimination/pub/relatorio_global_2003_suplemento_nacional_232.pdf
Fernanda Andreazza – Advogada, sócia do Arns de Oliveira & Andreazza Advogados Associados, especialista em Terceiro Setor