A Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) promoveu, nesta terça-feira (17), um amplo debate sobre o instituto jurídico da colaboração premiada, com a participação de magistrados federais, procuradores, delegados da Polícia Federal, advogados e o ministro do STJ, Rogério Schietti.
O encontro abordou os avanços, as possibilidades e os limites da Lei de Combate às Organizações Criminosas (nº 12.850/2013), que regula o funcionamento da colaboração premiada. Esse instrumento tem sido um dos principais meios de obtenção de provas utilizados pela força-tarefa responsável pela Operação Lava Jato.
O presidente da Ajufe, Antônio César Bochenek, destacou a importância do encontro: “Temos como objetivo promover o debate sobre temas relevantes para a efetividade da prestação jurisdicional e apresentar alternativas para a melhoria dos procedimentos utilizados pelos operadores do Direito”.
O diretor de assuntos legislativos da Ajufe, desembargador federal José Marcos Lunardelli, coordenou as discussões, que também contaram com a participação do presidente do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), Vinicius Marques de Carvalho; do juiz federal e associado Marcos Josegrei; do membro do Ministério Público da União (MPU) Vladmir Arras; do presidente da Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal (ADPF), Carlos Eduardo Miguel Sobral; e dos advogados especialistas no tema Pierpaolo Bottini e Marlus Arns.
Inicialmente, Lunardelli explicou que a iniciativa de organizar o debate surgiu a partir da constatação de que houve um aumento da utilização desse instrumento jurídico nos últimos dois anos. “O instituto já é conhecido no Brasil desde a década de 1990. Mas no âmbito do direito público, administrativo e penal sua a utilização com maior intensidade é recente”.
Nesse sentido, explicou o dirigente da Ajufe, a proposta do encontro é refletir sobre os limites da legalidade desse instrumento, verificar lacunas e compartilhar visões e experiências de todos os atores envolvidos.
Competência
Em sua apresentação, o advogado Pierpaolo Bottini comentou aspectos polêmicos que afligem profissionais envolvidos na aplicação e negociação do instituto da colaboração premiada. Entre eles, a avaliação de que o atual marco legal sobre acordos de leniência e colaboração premiada oferece uma gama de possibilidades e responsabilidades, mas que muitas vezes há competências superpostas que prejudicam a realização de acordos, sendo necessária a definição de parâmetros para que haja segurança jurídica.
O jurista também questionou até que ponto é possível delimitar o objeto desses acordos caso, posteriormente, algo ocorra e possa invalidar a colaboração. Ele também tratou dos acordos firmados e não homologados. Outro ponto diz respeito à extensão dos tipos benefícios, quais podem ser concedidos, hipóteses de perdão judicial e relativização da pena de perdimento dos bens.
Exigências
O presidente do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), Vinicius Marques de Carvalho apresentou a experiência do órgão na celebração de acordos de leniência e os esforços internacionais para combater cartéis. “Os acordos de leniência foram originalmente criados para descobrir ilícitos. E a extinção da punibilidade administrativa e criminal para aqueles que reportam conduta de cartel era o preço que se pagava por colaborar com algo que não se descobriria de outra forma”.
Carvalho explicou que deve existir uma estrutura de incentivos, mas que os envolvidos devem reconhecer a participação na conduta e colaborar com as investigações apresentando provas e evidências robustas para que haja a celebração do acordo.
Influência internacional
Sobre a participação do Ministério Público na celebração de acordos de leniência, o procurador da República Vladimir Aras, disse que, embora a legislação não disponha a respeito dessa obrigatoriedade, esse acompanhamento é relevante porque contribui para que haja segurança jurídica também na perspectiva penal.
“A influência de experiências externas, notadamente da Itália e dos EUA, acabou sendo um fator preponderante para que a prática forense permitisse a utilização desses instrumentos com o influxo de direito comparado. No campo penal, existe a influência de uma política criminal global em favor da colaboração premiada e da justiça negociada”, afirmou Aras.
Ponderação
Por sua vez, o juiz federal Marcos Josegrei ponderou que, dá forma está colocado na legislação, se entende necessário o juízo de ponderação para evitar a vulgarização do uso da delação. Ele também questionou até que ponto passa pelo juiz a necessidade do acordo, além de outras possibilidade da colaboração premiada e justiça criminal negociada.
Para o presidente da Associação dos Delegados da Polícia Federal (APDF), Carlos Eduardo Sobral, a colaboração premiada deve servir como instrumento efetivo para o andamento das investigações policiais. “Temos visto a efetividade das colaborações e isso é inegável, apesar de toda a análise de risco que fazemos durante o procedimento, pois o processo parece simples, mas na prática há algumas questões sérias a serem tratadas, como mostrar de forma clara as consequências dos relatos dados”, comentou Sobral.
O advogado Marlus Arns destacou que é preciso ter cuidado com a utilização do instituto para que a haja provas robustas e não meros depoimentos. “Não é crível que o colaborador não tenha o mínimo de prova a ser aceito. O problema hoje é vulgarização da colaboração”.
Aspectos éticos
O ministro do STJ, Rogério Schietti, lembrou que o Brasil está aderindo a esta política criminal global, com a utilização da colaboração premiada como meio de obtenção de prova. Ele ponderou sobre aspectos éticos envolvendo a participação de todos os atores envolvidos.
Schietti também ressaltou que a delação precisa vir acompanhada de outros indícios probatórios para efeito de prisão cautelar e não se satisfaz com a mera indicação do fato criminoso, seja de terceiro ou testemunho de coautor. O ministro também abordou os efeitos econômicos gerados por grandes processos, com efeitos negativos para as corporações, e em atividades periféricas.
“Os reflexos para economia devem ser contabilizados para permitir que as instituições que se envolvem nesses acordos tenham esse olhar pragmático no acerto de soluções que representam não apenas ganhos jurídicos e sociais, mas também econômicos a médio e longo prazo”.
Fonte: AJUFE