Estamos observando nos últimos anos um aumento expressivo de processos judiciais contra médicos, nos quais se busca o reconhecimento da sua culpa pelos chamados erros médicos e, consequentemente, a indenização ao paciente vitimado ou aos seus familiares.
Esse crescimento pode ser explicado por diversos fatores, desde o maior acesso da população à saúde – que acarreta mais demanda e pressão para a agilidade nas consultas –, problemas estruturais e condições de trabalho em hospitais, clínicas e postos de saúde, formação precária de alguns profissionais e maior conhecimento dos cidadãos sobre seus direitos e acesso à Justiça.
O maior reflexo do crescente número de ações é visto na esfera cível, quando o paciente pretende a reparação financeira pelos danos causados pelo erro médico. As ações podem ser propostas tanto contra os hospitais quanto contra os médicos e o julgamento ocorrerá após a realização de perícia por médico especialista na área em que se discute o erro imputado.
Os pedidos deduzidos pelos pacientes são diversos e variam caso a caso, mas é possível citar os danos morais, ressarcimento pelas despesas com tratamento e medicamentos, danos estéticos, danos existenciais, pagamento de tratamentos futuros e, também, pensão vitalícia ao paciente ou até o momento em que tiver plena recuperação e puder retornar ao mercado de trabalho. Geralmente, as ações de indenizações contra médicos e hospitais envolvem significativos valores.
Entretanto, os problemas envolvendo erros médicos não se limitam à área cível, podendo ter repercussão também nas esferas administrativa e criminal. Na área administrativa, uma sindicância pode ser aberta no Conselho Regional de Medicina (CRM), que poderá ser convertida em processo ético-profissional e, se, ao final, os conselheiros julgadores entenderem pela culpa do médico investigado, as penalidades vão desde uma advertência confidencial até a cassação do registro profissional.
Criminalmente, o fato imputado como erro médico poderá ser investigado como homicídio ou lesão corporal grave, por exemplo, com posterior condenação do profissional. Para uma investigação mais adequada nessas situações, muitos estados criaram Núcleos e Delegacias de Polícia especializados em crimes contra a saúde, assim como tem havido maior especialização e dedicação ao assunto dentro do Ministério Público.
A fim de evitar litígios envolvendo os erros médicos, os profissionais envolvidos e as instituições hospitalares podem adotar uma série de medidas preventivas. Obviamente, a boa formação e a educação continuada dos médicos são indispensáveis para que se evitem danos à saúde dos pacientes, tendo em vista a prática das mais modernas e seguras técnicas médicas.
Pelo lado dos hospitais, a adoção de protocolos de gestão de qualidade, com check list de procedimentos e a busca pela acreditação hospitalar são essenciais para estabelecer condições de trabalho adequadas e um atendimento seguro. A prestação de informações completas ao paciente sobre os riscos do procedimento é de grande relevância e deve ser devidamente registrada em termo próprio, com o consentimento expresso, livre e esclarecido do paciente ou de seu representante legal.
E, também, é imprescindível a anotação em prontuário médico de todas as condutas realizadas e suas justificativas para a defesa nesses casos. O prontuário médico é a maior prova – em muitos casos a única – de que o médico agiu de forma correta ou de que houve efetivamente erro médico.
Por vezes nos deparamos com casos que não envolvem propriamente uma falha na conduta técnica do profissional, mas ainda assim o paciente e seus familiares atribuem ao médico o resultado negativo ou insatisfatório do tratamento. Essas situações ocorrem, muitas vezes, por falta ou falha de comunicação na relação médico-paciente.
Outras vezes, o paciente ou os familiares precisam identificar um culpado pelo evento adverso. Para essas situações, uma conversa franca, com humildade e segurança entre o médico e o paciente ou seus familiares pode efetivamente sanar as dúvidas sobre a culpa do profissional e evitar um litígio que desgastará as partes por longos anos.
O Código de Processo Civil de 2015, inclusive, adotou uma nova sistemática que privilegia a conciliação entre as partes e determina a realização de uma audiência apenas com esse objetivo antes de iniciar o processo. A mesma situação já era prevista no Código de Processo Ético-Profissional, mas é pouco praticada.
Deste modo, em que pese a existência de diversas condutas que possibilitam a prevenção de litígios que envolvem a responsabilidade médico-hospitalar, a boa relação médico-paciente é a melhor maneira de evitar enfrentamento e desgaste entre os envolvidos e, mesmo já tendo sido proposta uma demanda contra o médico, é absolutamente recomendável que ele busque explicar os acontecimentos ao paciente ou seus familiares, pois temos acompanhado casos em que o paciente ou seus familiares chegam a desistir da ação judicial após a adequada explicação médica.
*Lucas B. Linzmayer Otsuka, Advogado. Sócio do escritório Arns de Oliveira & Andreazza Advogados Associados
Fonte: Estadão