A importância das cartas rogatórias no Direito Penal contemporâneo
26.09.2017

A intensa globalização e a difusão dos delitos transnacionais (crimes que violam o bem jurídico de dois países) fez com que surgisse a necessidade de estreitamento das relações entre os Estados, que mesmo com um ordenamento jurídico extremamente distinto, precisam se comunicar, facilitando então, o andamento do processo criminal.

Nos últimos tempos, o Brasil tem enfrentado intensas reviravoltas com as grandes operações deflagradas pelos órgãos de investigação (Polícia e Ministério Público) a fim de combater os crimes econômicos. E por isso, a cooperação jurídica internacional e principalmente o instituto da carta rogatória, tornam-se instrumentos importantes para satisfazer os interesses jurídicos que os processos penais demandam. Ainda que extremamente burocrática, como veremos adiante, a carta rogatória é funcional.

É importante salientar que recentemente o crime de caráter transnacional passou a ter um circuito de validade e eficácia das normas. Isso porque, o direito penal e a polícia são delimitados pelo princípio da territorialidade, que os impede de combater os crimes fora da sua competência territorial. É justamente em casos como esses, em que o território se torna um limitador na investigação criminal, que a cooperação internacional entre os Estados poderá ocorrer.

O jurista Fabio Ramazzini Bechara conceitua e diferencia em seu livro “Cooperação jurídica internacional em matéria penal” os crimes transnacionais e internacionais como: “o crime transnacional é aquele que viola o bem jurídico de dois ou mais países. Crime internacional, por sua vez, é aquele que viola bens jurídicos universais e que se caracteriza pela ação generalizada ou sistemática”.

São três as formas de cooperação jurídica internacional: as cartas rogatórias, o auxílio direto e a homologação de sentença estrangeira. A carta rogatória, por sua vez, continua tendo grande destaque por ser a forma mais comum e funcional.

Carta rogatória é o instrumento usado para o cumprimento de um ato judicial de uma autoridade estrangeira, para o desenvolvimento de um processo fora da jurisdição daquele país. Há dois tipos: as cartas rogatórias passivas e as cartas rogatórias ativas. A primeira é enviada para outros países, isto é, o Brasil é o polo rogante, enviando ao polo rogado. A segunda, por sua vez, coloca o Brasil em posição de rogado.

Para exemplificar, a ministra Laurita Vaz, presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), fundamentou em decisão da Carta Rogatória nº 11.165, acerca das pregorrativas dos polos rogantes e rogados: “na carta rogatória passiva, há decisão judicial oriunda da Justiça rogante que precisa ser executada e cumprida no Estado rogado, cabendo ao Superior Tribunal de Justiça o juízo de delibação, sem, contudo, adentrar-se no mérito da decisão oriunda do país estrangeiro”.

Ainda, há o critério de classificação. São as cartas rogatórias: 1) ordinatórias ou citatórias – que têm objetivo de citar ou intimar; 2) instrutórias ou probatórias – usadas para produção de provas nos processos; e 3) executórias – que como o próprio nome já evidencia, são responsáveis por executar o jus rogado (aquele notificado para responder ou cumprir o disposto na carta rogatória).

O Ministério das Relações Exteriores é o responsável pelo recebimento da carta rogatória no Brasil e a encaminha ao presidente do Superior Tribunal de Justiça, que é competente por conceder o exequatur (que tem por significado “execute-se”). Apenas as cartas que receberam essa autorização poderão ter efeitos em território brasileiro, conforme disposição da Constituição Federal, em seu artigo 105, inciso I:

Art. 105. Compete ao Superior Tribunal de Justiça:
I – processar e julgar, originariamente:
a homologação de sentenças estrangeiras e a concessão de exequatur às cartas rogatórias;

O presidente do STJ analisará primeiramente se estão presentes os requisitos da carta rogatória: 1) competência internacional da autoridade que lavrou a decisão; 2) possibilidade de contraditório prévio; 3) ausência de coisa julgada; e 4) não-ofensa à ordem pública.

Verificada a presença dos referidos requisitos, o jusrogado será intimado para no prazo de 15 dias, querendo, impugnar o pedido de concessão, ou seja, informar o por que o exequatur deve ser, ou não, concedido. Ainda, este é um ato vinculado à representação de um advogado.

Dispõe o art. 216-Q, § 2º do regimento interno do Superior Tribunal de Justiça que a defesa na carta rogatória pode versar apenas sobre a autenticidade dos documentos, a inteligência da decisão e a observância dos requisitos previstos. Importante esclarecer que não é possível a discussão sobre o mérito da ação que tramita ou tramitará no juízo rogante, ou seja, a impugnação deve versar apenas sobre questões procedimentais, já que o Brasil adota o sistema de contenciosidade limitada.

Após o deferimento do exequatur pelo Superior Tribunal de Justiça, o próximo passo é o envio da carta rogatória ao Juízo Federal de 1ª instância e ele será responsável por dar cumprimento à ordem. É o que dispõe, também, a Constituição Federal, em seu artigo 109, inciso X:

Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar:

X – os crimes de ingresso ou permanência irregular de estrangeiro, a execução de carta rogatória, após o “exequatur”, e de sentença estrangeira, após a homologação, as causas referentes à nacionalidade, inclusive a respectiva opção, e à naturalização;

Em alguns casos, as cartas rogatórias poderão possuir, inclusive, caráter itinerante, se precisarem de cumprimento em mais de um foro.

Cumprida a carta rogatória, a autoridade central brasileira deverá encaminhá-la a autoridade originária. Finda-se então, o procedimento deste instituto no país “rogado”.

Evidente que o objetivo da carta rogatória é tornar a comunicação entre os Estados mais célere e simples, auxiliando as autoridades públicas na persecução dos crimes transnacionais. No entanto, conforme é possível verificar no dia-a-dia, o procedimento ainda é moroso, pois implica na manifestação de diferentes órgãos do sistema judiciário.

AUTORA: Thalita Mirom, acadêmica do 3º ano da Universidade Positivo, sob supervisão da advogada Mariana Michelotto (OAB/PR 65.829)


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