Dois novos estudos acabam de ser lançados e trazem dados até então jamais levantados no país sobre o perfil do doador brasileiro, além de apontar as tendências e estratégias a serem adotadas para que essa prática seja cada vez mais comum e se amplie no Brasil.
A primeira delas, a Pesquisa Doação Brasil, foi liderada pelo IDIS (Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social), em parceria com várias organizações do campo – inclusive pelo GIFE, no comitê consultivo – que teve como proposta conhecer quem são, por que doam, como doam e quanto doam, assim como levantar dados sobre o que faria as pessoas doarem mais, quais são as causas que as sensibilizam, quais são suas crenças e desconfianças, entre outros questionamentos.
Paula Fabiani, diretora-presidente do IDIS, destacou a relevância do estudo, tendo em vista as várias lacunas de dados que existiam até então neste campo, o que dificultava a realização de novas ações para aumentar a cultura de doação no país.
O levantamento, encomendado ao Instituto Gallup, entrevistou 2230 pessoas em todo país, com 18 anos ou mais, residentes em áreas urbanas e com renda familiar mensal a partir de um salário mínimo.
Segundo o estudo, em 2015, 77% dos brasileiros fizeram algum tipo de doação, sendo que 62% doaram bens, 52% doaram dinheiro e 34% doaram seu tempo para algum trabalho voluntário. Entre os que doaram apenas dinheiro para organizações sociais, são 46%. Assim, em 2015, as doações individuais dos brasileiros totalizaram R$ 13,7 bilhões, valor que corresponde a 0,23% do PIB do Brasil.
De acordo com o estudo, o perfil do típico doador brasileiro é mulher com instrução superior, praticante de alguma religião, moradora das regiões Nordeste ou Sudeste, com renda individual e familiar acima de quatro salários mínimos.
Percebe-se que as doações são recorrentes: mais de um terço dos doadores, 36%, fizeram uma doação por mês ao longo do ano passado. Essas doações ficam na faixa de R$20 a R$40 mensais, ou seja, de R$240 a R$480 por ano. Entre as temáticas que mais sensibilizam o doador em dinheiro está a saúde, em primeiro lugar, com 40% das respostas; em segundo crianças, com 36%; e em terceiro combate à fome e à pobreza, com 29%.
Entre as razões que levam uma pessoa a doar dinheiro está a solidariedade com os mais necessitados, apontando uma ligação entre o ato de doar e a gratificação emocional. A religião também exerce grande influência no hábito de doar, principalmente entre os que se declaram espíritas (58%); católicos (51%); e evangélicos (45%).
A pesquisa perguntou ainda aos entrevistados os motivos pelos quais pararam de doar. Entre as principais razões estão: 43% disseram que foi pela falta de dinheiro; 17% não tem confiança nas organizações que pedem; e 7% porque ninguém pediu.
A Pesquisa Doação Brasil mostra não existir uma relação direta entre o tamanho da cidade e a prática de doação em dinheiro, ou seja, mesmo fora das grandes cidades, o brasileiro também doa. Porém, existe uma forte relação entre idade e a prática da doação em dinheiro. Quanto maior a faixa etária, maior a incidência deste tipo de doação. O mesmo acontece em relação ao grau de instrução. Pessoas com nível superior, praticam mais doação em dinheiro.
Caminhos possíveis
Com a proposta de construir um mapeamento para entender as influências no campo da cultura de doação e mobilização de recursos e apontar os fatores críticos para ampliar e fortalecer a temática, o Instituto Arapyaú, também em conjunto com vários parceiros, acabam de lançar um novo material sobre o tema.
A publicação é resultado de um levantamento sobre diversos estudos já realizados sobre aspectos da cultura de doação – a partir de diversas perspectivas -, além de análise de outros materiais de referência a respeito do assunto, como o documento final do encontro de criação para cultura de doação e captação de recursos no Brasil promovido em 2015, e também entrevistas com especialistas da área. Entre as pesquisas está, por exemplo, o Censo GIFE, contando também com a participação de Andre Degenszajn, secretário-geral do GIFE.
Rodrigo Alvarez, sócio-diretor da Mobiliza e responsável pela elaboração do material, destacou que, a partir do levantamento realizado, foi possível identificar cinco grandes campos de intervenção que é preciso atuar: doadores; infraestrutura; OSCs; cultura de doação; e ambiente regulatório.
A partir da identificação destes campos e das oportunidades e necessidades em cada um deles, foi traçada uma visão ampla do que se espera para o futuro: “ampliar o volume de doações individuais e qualificar as doações e investimentos sociais de grandes doadores e doadores institucionais”.
Para que isso seja possível, o estudo aponta algumas estratégias a serem adotadas, que perpassam os cinco campos de intervenção. São elas: fomento ao conhecimento sobre o setor; fortalecer a representação das OSCs; ampliar a capacidade das OSCs em captação de recursos, comunicação e transparência; segurança regulatória, simplificação e ampliação dos benefícios fiscais para doação; e cultura de doação e novas narrativas para a filantropia.
Em cada uma das estratégias, foram identificadas também ações prioritárias. Em ‘fomento ao conhecimento sobre o setor’, por exemplo, há uma recomendação para que seja feita regularmente a publicação da Pesquisa Doação Brasil – citada no início da matéria – para que seja possível acompanhar de que forma o campo está se comportando ao longo do tempo.
Já em ‘ampliar a capacidade das OSCs’, a orientação é no sentido de desenvolver programas de formação para as organizações, respeitando níveis de desenvolvimento e conteúdos relevantes sobre o tema, assim como fomentar a criação de fundos que possam prover recursos semente para criação de áreas de captação de recursos, desenvolvimento de campanhas, contratação de fornecedores e profissionais etc.
Rodrigo Alvarez destaca que, diante das questões centrais do campo, é possível perceber que há dois temas estruturantes, que são: a cultura de doação e o ambiente regulatório. Em relação ao primeiro, em sua visão, é preciso antes de mais nada, entender o que é de fato a cultura de doação, que acabou se tornando um termo muito genérico, e resgatar o verdadeiro e mais nobre sentido da ‘filantropia’, que tem a ver com o cuidado para o bem público.
Mas, para que isso seja possível, será necessário, segundo Rodrigo, resgatar a relação das organizações da sociedade civil com a população, acabando com a imagem negativa que boa parte da população ainda tem sobre as mesmas, a fim de que as pessoas se sintam representadas e queiram participar desse movimento.
Já em relação ao ambiente regulatório, a proposta é rever de fato a legislação que favoreça o campo, que hoje tem vários entraves. “A legislação que criamos no Brasil faz com que o governo pague a conta e isso desincentivou a cultura de doação. Precisamos entender que todos vão ter que pagar a conta juntos. Precisamos assumir as nossas responsabilidades individuais”, comenta.
Julia Pereira, gerente de Lideranças do Instituto Arapyaú, destaca que, com todas essas indicações feitas pela publicação, a proposta do material é justamente que ele sirva de referência para quem trabalha nesse campo, pois traz subsídios para o seu planejamento. “A publicação já traça as questões que são prioritárias hoje no Brasil”, ressalta.
Fonte: GIFE