CURITIBA – Convidado a atuar na Operação Lava-Jato por Antônio Cláudio Mariz de Oliveira, um dos mais conhecidos criminalistas do país, o advogado curitibano Marlus Arns de Oliveira tem ganhado projeção quando o assunto é delação premiada. Foi ele quem acompanhou o fechamento do acordo de colaboração de Eduardo Leite, vice-presidente da Camargo Corrêa, que esmiuçou à Polícia Federal o modelo de repasse de propina da empreiteira, adotado após a Operação Castelo de Areia. Depois desse, já negociou outros, mas não fechou nenhum. Motivo: tem alertado aos interessados que a delação premiada é um instrumento legítimo, mas, se não for bem pensada, pode se transformar numa grande encrenca no futuro. Uma encrenca não só para o colaborador, mas para a própria Lava-Jato.
O número de delatores da Lava-Jato já passa de 30 e a lista não para de crescer. Delatar se tornou uma saída fácil para escapar da prisão?
— Dentro do processo penal, a colaboração premiada passou a ser vista como um instrumento de defesa para os que são investigados. Passou a fazer parte da estrutura de defesa. Tenho alertado, porém, que ela não é uma panaceia ou solução. Talvez seja mais grave do que o próprio enfrentamento do processo penal, porque a pessoa precisa não só admitir o crime que praticou, mas entregar fatos novos que ainda não são objeto da investigação. Se não for contada toda a verdade, a delação pode cair no futuro e a situação do colaborador será ainda mais grave do que quando começou a ser investigado.
E como está a procura no caso da Lava-Jato?
— Quando começa a “pipocar” na imprensa um assunto e o indivíduo sabe que será alcançado pela investigação, ele já quer se antecipar. Eu tenho alertado justamente que não basta ir contar apenas sobre determinado fato. Tem que contar sobre todos os fatos. Não se pode falar pela metade. É preciso entregar todas as questões que tenha conhecimento, sob pena de o acordo vir a ser invalidado durante os 10 anos em que o colaborador ficará à disposição da Justiça.
Semana passada tivemos acareação entre dois dos principais delatores da Lava Jato, o Paulo Roberto Costa e o Fernando Soares (Baiano). A Polícia Federal afirmou que os depoimentos são incompatíveis. As versões contraditórias podem causar problema às investigações?
— A lei é clara: a mentira, numa colaboração premiada, pode derrubar a delação e o colaborador perde todos os benefícios. Além disso, o Ministério Público Federal pode usar todas as informações que ele trouxe para a investigação, fundadas nas provas que ele apresentou. Divergências existem em muitas delações. Temos de avaliar se elas são significativas , se são fundadas em uma omissão ou numa mentira.
Como funciona no caso de omissão?
A omissão, aos olhos da lei, também é grave. Sempre que ocorre é aberto um processo de justificação para explicar o motivo. Mas estamos falando de pessoas que ficaram anos trabalhando no mercado, com grandes operações. Pode ter havido esquecimento e o juiz pode entender assim. Mas a questão certamente será levada aos tribunais por quem foi delatado.
É certo que as provas seguem válidas, mesmo se uma delação for anulada?
— Essa é uma grande discussão. A tese dos advogados é que, se a prova originária for derrubada, toda prova derivada dela se torna inválida. O fato concreto é que, no caso especifico das colaborações, cada assunto faz parte de um anexo. Cada anexo que ele produz é fundado em provas. Não existe ouvi dizer, ele tem que provar. Os tribunais terão de decidir se, numa eventualidade de invalidar uma colaboração, se cai a prova inteira ou apenas a prova relativa ao anexo onde eventualmente houve mentira ou divergência.
Essas omissões e divergências representam risco para a Lava-Jato?
— Todos os colaboradores têm sido chamados a depor mensalmente como testemunhas de acusação ou para falar em inquéritos policiais novos. O trabalho do colaborador não se encerra na homologação do acordo, na prisão domiciliar dele. Ele fica à disposição de qualquer órgão da Justiça, a qualquer tempo, para confirmar o que foi dito. Se mentir, a delação pode cair daqui lá na frente. A meu ver, o grande fecho da Lava-Jato, daqui muitos anos, será a discussão no Supremo Tribunal Federal sobre a validade ou não das colaborações e das provas que delas derivaram.
Fonte: O Globo