Falar ao telefone agora é coisa do passado. Com a popularização dos aplicativos de mensagem, sobretudo do WhatsApp, as ligações foram substituídas por mensagens escritas, que nos poupam de situações desagradáveis e nos oferecem “certezas” em relação à visualização das mensagens. O conteúdo varia bastante e vai desde conversas mais pessoais, como o término de um relacionamento, até discussões profissionais ou negociais.
Foi assim que se deu a negociação da compra de um terreno em Uberaba/MG. Possivelmente para evitar os encontros e tratativas presenciais, as partes chegaram a um acordo por meio do aplicativo, tendo a compradora enviado uma foto do comprovante de depósito do valor acordado (50 mil reais). Embora os temidos tiques azuis tenham indicado que o vendedor tinha recebido a imagem, ele não providenciou a transferência da propriedade do terreno. Mesmo sem um contrato formal, a compradora foi à Justiça, e usou as mensagens do aplicativo como evidência dos termos do acordo.
O juiz reconheceu que as mensagens eram suficientes para comprovar o negócio e determinou que o vendedor indenizasse o comprador por danos materiais, ou seja, devolvesse o valor pago, com correção monetária (R$ 65.629,40 reais). Na verdade, mesmo que as mensagens não existissem, contratos meramente verbais podem ser considerados como válidos por um juiz. Nesses casos, entretanto, a dificuldade costuma residir na para produção de provas a respeito dos termos acordados: fica a palavra de um contra a palavra do outro.
Quando qualquer registro dos termos do acordo é feito, a situação fica mais fácil. Nos aplicativos de messaging, tudo que é dito fica armazenado e pode servir como prova no futuro. E não só em relação a contratos. Há algum tempo, um juiz determinou o pagamento de alimentos gravídicos(uma espécie de pensão que é paga durante o período de gravidez) com base em uma conversa de WhatsApp. O casal teria trocado mensagens sobre a preocupação de terem tido relações sexuais sem preservativo durante o período fertil da mulher, o que foi considerado como suficiente pelo juiz para presumir a paternidade durante a gestação.
Se parece óbvio, também não nos damos conta: a substituição de conversas presenciais ou via telefone por mensagens de texto deixa registros que antes eram muito mais difíceis de se produzir. Registros sobre com quem falamos, em que data e horário e, mais importante, exatamente o que falamos. E não só isso: é cada vez mais comum enviarmos fotos de documentos pessoais, como comprovantes bancários e resultados de exames médicos pelo aplicativo.
Todas essas informações estão sendo compartilhadas tanto com o aplicativo em si quanto com a pessoa, ou as pessoas, se estivermos em um grupo, com quem estamos falando. E é preciso ter consciência disso: seja em relação à plataforma, que pode um dia decidir passar a fazer uso dessas informações que passam por seus servidores para fins indesejáveis, como os publicitários, seja em relação às outras pessoas, que podem compartilhá-las de forma desautorizada, por exemplo. Quem já tirou um print screen de uma conversa do WhatsApp sabe muito bem disso.
De muitas formas, o WhatsApp tem transformado a forma como nos comunicamos com as outras pessoas, e pode sim facilitar a resolução de algumas situações. Mas essa transformação não deve vir desacompanhada de uma reflexão sobre como proteger nossas informações pessoais e manter a proteção de sigilo das nossas comunicações. Não é à toa que as polícias e agentes de investigação no Brasil e pelo mundo têm pensado em mecanismos de interceptação de comunicações mantidas por esses aplicativos. E se você acha que não tem nada a esconder, pense de novo. Informações fora de contexto podem incriminar o mais correto dos seres. Em um contexto em que nos tornamos cada vez mais dependentes do aplicativo, os problemas podem começar a ser bem mais graves do que os tiques azuis sem resposta.
Fonte: Estadão