APPS BRASILEIROS AJUDAM SURDOS A SE COMUNICAR E ATÉ A APRENDER MÚSICA
15.06.2015
Depois de se conhecerem em um curso de criação de aplicativos, Raphael Silva, 23, e Ivan Ortiz, 29, decidiram unir a programação à paixão comum pela música em uma causa peculiar: ensinar teoria musical para surdos.
Do encontro, nasceu o Ludwig, projeto de um app ainda em elaboração que usa imagens e vibração para tentar transmitir a experiência de ouvir música para pessoas que têm deficiência auditiva.
O aplicativo foi exibido na semana passada pela Apple na abertura de seu congresso de desenvolvedores, em San Francisco (EUA), de forma a demonstrar como esses pequenos softwares têm potencial para mudar o mundo.
Ele não está sozinho: outras ferramentas brasileiras para pessoas com deficiência têm recebido distinções de grandes empresas como Microsoft e Google e de órgãos como a ONU. E o número de usuários não é desprezível.
“Foi o maior presente que poderíamos ganhar”, diz Silva, que também recebeu da companhia com uma entrada para o evento realizado em San Francisco –o preço da participação é de US$ 1.599, cerca de R$ 4.900.
O Ludwig, cujo nome homenageia Beethoven (que compôs mesmo surdo em grande parte da vida), começará a ser oferecido gratuitamente até o final deste ano, com uma pulseira vibratória que será vendida por um preço ainda não definido.
Os protótipos do aparelho, que “treme” em frequências diferentes conforme a nota tocada na interface (um piano virtual), foram construídos manualmente pelos desenvolvedores, de Campinas (SP), e já testados por surdos.
“Um dos meninos, que é de uma família de músicos, mas não ouve desde os três anos, disse que a experiência era mesma de quando seu irmão tentou lhe ensinar violão”, diz o idealizador Ortiz, que conta que a inspiração ocorreu a partir de um grupo de surdos da igreja de que faz parte.
“Sabia que eles tinham contato com a música por meio da vibração, então discuti a ideia com meu primo, um intérprete de Libras [língua brasileira de sinais]”. A partir daí, começaram a fazer os primeiros testes.
Agora, Silva diz que está organizando o grande número de propostas de parceria e de investimento que recebeu durante o evento da Apple. “Ainda vamos decidir qual estratégia financeira vamos adotar.”
Mãe de Guilherme, 5, que nasceu surdo e se comunica por Libras (Língua Brasileira de Sinais), a comerciante Sabine Schaade diz que seu filho interage com música a partir de estímulos táteis e visuais. Enquanto conversávamos pelo telefone, ele dançava com o game “Just Dance”.
MERCADO CONSUMIDOR
A paulistana usa, junto com seu marido e os três irmãos de Guilherme, outro app brasileiro, o Hand Talk, que traduz texto para Libras. “As pessoas não dão importância, mas é uma língua como todas as outras.”
Segundo o Censo de 2010, quase um quarto (23,9% ou 45,6 milhões) da população brasileira diz ter algum tipo de deficiência, dos quais 9,7 milhões (5,1%) são parcial ou totalmente surdos.
Ronaldo Tenório, cofundador do Hand Talk, diz que somam-se a esse já grande número as pessoas que precisam se comunicar com a pessoa com deficiência –isso inclui as empresas. “O surdo também é um consumidor”, diz. O app, gratuito, venceu em 2014 o Prêmio Empreendedor Social de Futuro, promovido pela Folha, e já teve cerca de 400 mil downloads.
A empresa tem faturamento na venda da solução para a incorporação em sites ou sistemas. “Se oferecêssemos de graça, dependeríamos de um patrocinador, e provavelmente o desenvolvimento, que demanda tempo e recursos, não seria tão rápido.”
Parecido, o aplicativo ProDeaf, também brasileiro, é patrocinado pelo Bradesco e pela Telefônica, e foi baixado 450 mil vezes, segundo o presidente-executivo Flávio Almeida. Para ele, contudo, poucas organizações –públicas ou privadas– se interessam em incluir ferramentas de acessibilidade para surdos, que nem sempre sabem ler, mas que têm grande afinidade com a tecnologia.
“Se ensino básico é ruim para todos no Brasil, imagine para eles”, diz. “As pesquisas, como da Feneis [Federação Nacional de Educação e Integração dos Surdos] mostram que 7% da comunidade surda é alfabetizada. Se ele entra num site e não há uma ferramenta para traduzir para Libras, tudo aquilo é grego para ele.”
LIBERDADE
Outro contingente que precisa de uma ferramenta auxiliar para comunicação é o formado por pessoas com deficiência mental. Segundo Carlos Edmar Pereira, desenvolvedor do amplamente premiado app Livox (“Liberdade em Voz Alta”), o número de potenciais usuários do aplicativo no Brasil –não só os deficientes, mas também quem teve acidente vascular cerebral ou tem sequela por outros motivos– chega a 15 milhões.
No dia 4, o aplicativo ganhou uma competição internacional de start-ups realizada nos EUA, realizada pela Microsoft, logo depois de ter sido mencionado como exemplo de app transformador no congresso de desenvolvedores do Google. A ferramenta foi premiada pela ONU e pelo BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento).
O app mostra, na tela do tablet, opções ilustradas para o usuário selecionar conforme a situação, que varia desde simples “sim” e “não” a “estou com frio” e opções que podem ser programadas. O programa, então, vocaliza o enunciado por uma ferramenta de sintetização de voz.
Apesar da proeminência mundial de seu programa, que criou para falar com a filha Clara (vítima de um erro médico no nascimento, do qual decorreu uma paralisia cerebral) e que já recebeu honras do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento) e da ONU, Pereira diz que há pouco incentivo para start-ups do tipo no Brasil.
“Na verdade, todo empreendedor brasileiro merece uma medalha, porque não há incentivo, além da burocracia”, diz, citando o Reino Unido, onde empresas podem abater parte de seus impostos conforme o investimento em pesquisa e desenvolvimento. “Além disso, tablet é caro, toda tecnologia é cara. Nos países ricos, é mais fácil porque as pessoas já têm acesso.”
Marina Gaya, consultora em segurança ocupacional, usa o Livox para falar com seu filho Emanuel, 10, que nasceu prematuro e teve paralisia cerebral em consequência –seu irmão gêmeo foi natimorto.
“O app foi um divisor de águas”, conta. “Hoje, ele consegue responder a todas as perguntas na sala de aula [está na quarta série, em escola onde é o único aluno com deficiência, em Capão Bonito (SP)], seja de matemática, de alemão, de inglês.”
Emanuel tem plena capacidade de absorver conhecimento, diz Gaya. “Ele tem a cognição perfeita, mas, antes dessa ferramenta, não conseguia se expressar. Agora, quando ele pressiona uma opção no app, ele fica radiante, porque cria voz.”
OS APLICATIVOS
ProDeaf
Para pessoas que não sabem Libras
Tradutor de texto e som para a Língua Brasileira de Sinais
Downloads: 450 mil
Plataformas: App Store, Google Play
Hand Talk
Para quem deseja se comunicar com surdos
Traduz texto e voz para Libras
Downloads: 400 mil
Plataformas: App Store, Google Play, BlackBerry World
Ludwig
Para surdos
Pulseira vibra em frequências diferentes para cada nota e usa imagens para transmitir a experiência da canção
Plataforma: Apple Store (ainda não lançado)
Livox
Para pessoas com deficiência mental
Sintetiza voz de acordo com resposta escolhida pelo usuário
Usuários: 10 mil
Plataforma: para tablet
Fonte: Folha de S. Paulo
Outras publicações
Advogada Maria Michelotto é palestrante no III Congresso Online de Direito
14.09.2023
Lançamento livro
05.09.2023