A Receita Federal já começou a cobrar tributo sobre a propina e os ganhos ocultados pelos delatores da Operação Lava-Jato, como o Valor antecipou que ocorreria. O argumento é que, se eles receberam recursos ilegalmente, têm que pagar imposto de renda e multa de até 200% – mesmo que o dinheiro seja devolvido nos acordos de colaboração. O primeiro a sofrer autuação foi o doleiro Alberto Youssef, de quem a Receita cobra mais de R$ 1 bilhão em imposto de renda e multa referentes à pessoa física e a suas empresas. O ex-gerente de Serviços da Petrobras Pedro Barusco foi autuado em R$ 59,3 milhões. Outro delator na mira do Fisco é o ex-diretor de Abastecimento da Petrobras Paulo Roberto Costa. Em alguns casos, como o de Barusco, a Receita já encaminhou dados à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) para cobrança judicial e bloqueio do patrimônio.
A Receita também fez autuações contra o ex-senador Delcídio do Amaral (ex-PT-MS), o lobista Júlio Camargo e o operador Rafael Angulo Lopes, todos eles delatores da Lava-Jato. Já Dalton Avancini, ex-presidente da Camargo Corrêa, Eduardo Leite, ex-vice-presidente da construtora, e João Bernardi Filho, ex-executivo da Odebrecht, estão no rol dos que foram notificados a prestar esclarecimentos – primeiro passo para a autuação.
No caso de Bernardi, a Receita quer saber se os imóveis e obras de arte que ele concordou em devolver, num total de US$ 10 milhões, foram declarados e tributados. Embora o empresário tenha argumentado que os quadros pertenciam ao ex-diretor de Serviços da Petrobras Renato Duque, a Receita quer verificar a explicação.
Diante das movimentações do Fisco, advogados dos delatores trabalham em teses jurídicas para sustentar que os acordos de delação com o Ministério Público Federal (MPF) também devem isentar os colaboradores de penalidades fiscais. Uma questão parecida à enfrentada pelas empreiteiras que fizeram acordo de leniência com o MPF na Lava-Jato, e agora tentam se livrar de medidas administrativas do Ministério da Transparência e da Advocacia-Geral da União, como declarações de inidoneidade e a cobrança de valores em ações de improbidade administrativa. Em uma das frentes de argumentação, a defesa dos delatores recorre ao direito comparado, principalmente o americano, para insistir que o acordo de delatores recorre ao direito comparado, principalmente o americano, para insistir que o acordo de delação tem abrangência ampla, além da área penal.
“O delator faz um acordo criminal, mas fica com a situação cível e tributária toda em aberto. A situação do colaborador, se ele também for pagar tributo, é terrível”, diz o advogado Marlus Arns de Oliveira, que defende diversos delatores da Lava-Jato, entre eles Eduardo Leite, Dalton Avancini e João Bernardi Filho. Ele afirma que, se seus clientes forem condenados administrativamente a pagar imposto e multa, será necessário recorrer ao Judiciário para questionar a cobrança. “Entendemos que as questões fiscais e cíveis têm que estar abarcadas pelo acordo feito no âmbito criminal”, sustenta. O advogado também argumenta que, como os acordos preveem a devolução de dinheiro, o imposto já estaria incluído na quantia devolvida.
No caso de Alberto Youssef, a colaboração prevê a perda total do patrimônio, incluindo imóveis e dinheiro em duas contas no exterior – com exceção de bens atribuídos ao uso das filhas e de sua ex-mulher. O valor declarado por ele no acordo soma cerca de R$ 55 milhões. Pedro Barusco se comprometeu a devolver US$ 97 milhões. A delação de Paulo Roberto Costa prevê o pagamento de cerca de R$ 70 milhões. Os primeiros acordos da Lava-Jato nada falavam sobre a situação tributária dos delatores. Já nos mais recentes, o Ministério Público passou a registrar que o colaborador não está liberado de pendências fiscais.
Procurada pelo Valor, a Receita afirmou por meio de sua assessoria de imprensa que trabalha “fiscalizando e lançando todos aqueles contribuintes que se enquadrarem nos parâmetros legais de tributação”. Segundo o órgão, “todo acréscimo patrimonial ou omissão de receita sem justificativa, independentemente se o contribuinte for delator ou não, será tributado nos termos da legislação de cada tributo”. A Receita já está cobrando R$ 11 bilhões de pessoas físicas e jurídicas envolvidas na Lava-Jato, incluindo os delatores.
O procurador Daniel de Saboia Xavier, coordenador-geral de grandes devedores da PGFN e integrante da força-tarefa da Lava-Jato, defende que os delatores devem ser tributados porque o imposto incide no momento da “disponibilidade econômica” – ou seja, a entrada de recursos nas mãos do contribuinte, sejam eles lícitos ou ilícitos. “O que acontece com os recursos posteriormente é irrelevante para fins de tributação”, afirma.
De acordo com ele, a devolução das verbas não é suficiente para extinguir o débito tributário. “No momento em que a pessoa recebeu a propina, houve a disponibilidade do valor, portanto incide imposto de renda. Se depois ela manda o dinheiro para o exterior ou devolve, isso não tem o condão de anular a incidência do imposto.”
Xavier acrescenta que o Ministério Público não representa a União e, por isso, não teria poder para abrir mão de receita tributária. “A legislação que trata da delação premiada não se estende a questões alheias ao direito penal. E se houvesse essa previsão legal, não seria o Ministério Público que poderia representar a União, mas sim a própria União”, argumenta o procurador.
A cobrança de tributos dos delatores da Lava-Jato gerou discussões internas na Receita e no Ministério Público. Alguns auditores ponderavam que, se o dinheiro for devolvido, não haverá patrimônio suficiente para pagar imposto e multa. Mas prevaleceu a conclusão de que, com a entrada de recursos, mesmo que seja propina, a administração tributária se torna legalmente obrigada a agir para cobrar o seu quinhão.
Fonte: Valor.com.br