Decisão do STF deve consolidar o uso das tornozeleiras eletrônicas no Brasil
20.07.2016
Foto: Jonas Oliveira/ AENPr
                    Tornozeleiras eletrônicas                                                                                                                    Foto: Jonas Oliveira/ AENPr
Por Mariana Michelotto
Advogada, chefe do Departamento Criminal do escritório Arns de Oliveira & Andreazza Advogados Associados

 

O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) aprovou, no dia 29 de junho de 2016, a Súmula Vinculante 56[1] que determina que “a falta de estabelecimento prisional adequado não autoriza a manutenção do condenado em regime prisional mais gravoso”. Esta Súmula irá refletir significativamente no aumento da demanda das tornozeleiras eletrônicas no Brasil, sendo que os Estados devem adquirir e dispor dos equipamentos a fim de se adequarem a esta nova realidade.

 

Explico: tal previsão estabelece que nos casos em que o sentenciado esteja condenado a regime semiaberto ou aberto e não forem identificados estabelecimentos equivalentes a “colônia agrícola” ou “casa de albergado” ou “estabelecimento similar”, bem como havendo déficit de vagas nos referidos locais, não poderá cumprir a sua pena em regime mais gravoso do que o imposto, como por exemplo sendo recolhido em situação análoga ao regime fechado.

Assim, o juiz deverá determinar a soltura do preso que estiver cumprindo o regime mais gravoso do que aquele fixado. Nessa situação, visando garantir o correto cumprimento da pena no regime mais benéfico visto que havia sido fixado (já que a Súmula vedou aplicar-se regime mais gravoso), o juiz poderá determinar que o indivíduo seja monitorado eletronicamente, bem como fixar penas restritivas de direito.

Segundo dados do Departamento Penitenciário Nacional (Depen)[2]divulgados em 2015, estima-se que 25,91% dos monitorados por tornozeleira eletrônica estão cumprindo regime aberto em prisão domiciliar; 21,87% estão cumprindo regime semiaberto em prisão domiciliar; 19,89% estão cumprindo regime semiaberto em trabalho externo; 16,57% estão em saída temporária; 1,77% em regime fechado em prisão domiciliar e 0,17% em livramento condicional. Ou seja: 86% das pessoas monitoradas encontram-se em execução penal.

Evidente, portanto, que a monitoração eletrônica não vem sendo aplicada com frequência como medida cautelar diversa da prisão preventiva (anterior à condenação definitiva), vez que representa apenas 8,42% das pessoas monitoradas, o que infelizmente, implica em pouca redução do número de presos provisórios no país.

Veja-se então que o instrumento da monitoração, cuja utilidade já vem sendo bem reconhecida na fase de execução da pena, deveria ser gradualmente aplicado como forma de redução dos presos provisórios do Brasil. Isso porque os indivíduos atualmente presos em regime fechado sem sentença condenatória transitada em julgado representam 40% do total da população carcerária. Quase metade de todos os presos do país nem mesmo foi definitivamente condenada.

Assim, é injustificável e sistemicamente inadmissível a manutenção de prisão provisória sob a falsa premissa de inexistência de mecanismos de controle em caso de concessão de liberdade.

Infelizmente, ainda existem decisões que mantêm a prisão provisória ante a inexistência de tornozeleiras eletrônicas ou outros mecanismos de controle, vez que muitos Estados ainda não possuem tais equipamentos ou não os possuem em número suficiente para atender a demanda como divulgado recentemente pela imprensa.

Não é de se ignorar que a utilização da tornozeleira eletrônica como medida alternativa à prisão gera opiniões diversas, especialmente por ser comumente confundida como meio de impunidade ou benefício indevido. Esta é frequentemente a opinião pública, alheia às mazelas estruturais do sistema carcerário nacional.

No entanto, os argumentos dos antagonistas à tornozeleira não se sustentam. Estima-se que com o uso da tornozeleira eletrônica, o Estado poderá economizar até 70% do gasto que incorre por preso, vez que cada um custa aos cofres públicos cerca de R$ 2 mil por mês, enquanto a tornozeleira eletrônica custa em média R$ 540 por mês. Estima-se que, atualmente, há apenas 18.172 pessoas monitoradas no Brasil, sendo 88% homens e 12% mulheres, padrão semelhante encontrado na execução penal propriamente dita.

É evidente que o sistema carcerário brasileiro está falido. Segundo dados divulgados pelo Ministério da Justiça, a população carcerária é a quarta maior do mundo – com mais de 600 mil presos – e o país apresenta um déficit de 200 mil vagas. Os presos provisórios, principais beneficiados com a implementação dos centros de custódia, na maioria dos casos são mantidos nas delegacias de polícia, que não possuem estrutura para custodiá-los e também estão superlotadas.

Tal situação causa grave prejuízo não somente ao preso, mas também aos policiais que sofrem com a ausência de infraestrutura e não possuem atribuição funcional para cuidar dos presos provisórios, nem contam com quantidade suficiente de servidores. Diante desse caos, não há qualquer razão para o encarceramento daquele que pode ser facilmente monitorado por meio da tornozeleira eletrônica.

Outra ideia que deve ser afastada é de que o monitoramento eletrônico faz com que o acusado não sofra as devidas punições. Primeiramente, deve-se ter em mente que a prisão provisória nunca pode ser voltada à punição; essa é a função da pena definitiva (execução penal). Em segundo lugar, o acusado monitorado vai sofrer extrema restrição em sua rotina, principalmente aquele em regime de prisão domiciliar. Nesses casos, em momento algum poderá sair de sua residência, seja a trabalho ou lazer.

Caso necessite ir ao médico ou até mesmo prestar depoimento às autoridades, por exemplo, precisa requerer por escrito ao juiz. Toda a sua vida é monitorada por sinais de satélite e caso descumpra qualquer determinação judicial sofrerá penalidades, inclusive a regressão de regime (quanto aos condenados definitivos) ou a decretação da prisão preventiva.

Ainda, a despeito dos benefícios que a monitoração eletrônica acarreta no cenário prisional atual, segundo o estudo “A implementação da Política de Monitoração Eletrônica de pessoas no Brasil”, realizado pelo Departamento Penitenciário Nacional (Depen)[3], o uso da tornozeleira eletrônica geralmente provoca danos físicos e psicológicos ao acusado. Ainda assim, apenas seis das 17 centrais de monitoramento no Brasil possuem atuação de psicólogos, assistentes sociais e técnicos de Direito. Há, portanto, questões ainda pendentes de aprimoramento quanto à aplicação da medida.

Em suma, o monitoramento eletrônico consiste em mecanismo de controle disciplinar extremamente eficaz, com custo menor ao Estado e que permite a rigidez necessária da medida cautelar imposta, desde que corretamente aplicado. E, a meu ver, certamente representa uma melhor alternativa ao encarceramento demasiado e insustentável verificado no sistema prisional atual.

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[1] Disponível em: < http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=320837>. Acesso em: 14 jul. 2016.

[2] Disponível em: < http://www.justica.gov.br/seus-direitos/politica-penal/politicas-2/monitoracao-eletronica-1/estagio-atual-da-politica-1/diagnostico-monitoracao-eletronica-de-pessoas.pdf/view>. Acesso em: 14 jul. 2016.

[3] Disponível em: < http://www.justica.gov.br/seus-direitos/politica-penal/politicas-2/monitoracao-eletronica-1/estagio-atual-da-politica-1/diagnostico-monitoracao-eletronica-de-pessoas.pdf/view>. Acesso em: 14 jul. 2016.

Fonte: JOTA


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